"Sentei-me nas rochas...Eu, o meu caderno, a areia, o mar, a falésia sobre mim e um vento de norte que me traz o cheiro a tudo o que eu não quero voltar a perder.Perdido no branco do papel, esqueci-me que o resto do mundo, além daquele que me tocava nos pés, também existia e fiquei sózinho, à deriva num imenso mar que, agora, é só meu e ninguém mais conhece ou consegue alcançar.As pegadas marcadas, por outros, na fina areia, são apenas marcas de um passado que não passa de uma vasta memória de um outro mundo que fica para lá deste azul.
Eu, a areia... e uma doce voz que me interrompe baixinho e pergunta:
- O que estás a escrever?
Olho em frente, olho à volta como se procurasse uma resposta ali na praia, fito com os olhos o infinito e encolho os ombros como se fosse a resposta mais completa que poderia dar e que falar, não é de todo o que me apetece mais no momento. Deixo caqir os olhos de novo para este pedaço de papel, despreocupado...
- Se calhar não sabes falar, ainda... mas sabes escrever porque tens uma caneta na mão! O que estás a escrever?
Volto a levantar lentamente os olhos, para me assegurar que desta vez fica bem claro que não vou dar resposta alguma que satisfaça aquela curiosidade infantil e muito menos interromper o “nada” que estou a fazer para lhe dar conversa e fazendo um...
- Devias escrever sobre o mar... está muito azul...
Na esperança de despachar a conversa que não posso adiar e de poder continuar sozinho, embrulhado nas minhas divagações, sem voltar a levantar os olhos, mostro-lhe o caderno em branco e a caneta ainda com tampa.
- Não é assim! – Sorriu e tirou-me o caderno da mão sem dar tempo para reagir, tirou a tampa à caneta com os pequenos dentes brancos e desenhou uma linha direita de uma lado ao outro da página. – Agora já podes escrever sobre o mar sem tirares os olhos do papel...
Esticou na pequena mão o caderno e devolveu-me a caneta com a tampa meia trincada, sorriu e avançou em direção ao mar, deu dois passos para trás, voltou-se para mim de novo e perguntou:
- Dás-me um folha?
Sem ter de reflectir muito arranquei uma página ao caderno e estiquei a mão com a folha presa entre dois dedos.
Ela sentou-se na areia, de pernas cruzadas, e começou a desenhar com o dedo... – Não é assim... – disse eu e sorri!
- Estou a desenhar-te, para poder escrever sobre ti quando não vieres à praia...
Fiquei a pensar no porquê daquelas respostas tão certeiras e sem sentido, numa pessoa tão pequena e juro que por momentos deixei de ouvir o mar, de sentir o cheiro trazido pelo vento norte... Quando levantei os olhos de novo, estava sozinho na praia...Eu, a areia que me tocava os pés, a falésia sobre mim e no caderno, na primeira página, apenas uma linhas direita de um lado ao outro, com uma pequena estrela no canto e por baixo, em letras trémulas e meio sumidas ... “assim podes escrever sobre mim também”.
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